Manoel Onofre Jr., O Desembargador das Letras Potiguares

Entrevistando a Literatura Potiguar alexgurgel@interjato.com.br 14/04/2005 Manoel Onofre Jr., O Desembargador das Letras Potiguares
Por Alexandro GurgelManoel Onofre Jr., nasceu a 20 de julho de 1943 em Santana do Matos - RN. Em sua vida escolar passou por Martins, Natal e Mossoró. Diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Natal, em 1967.Profissionalmente, foi professor de História, repórter e assessor jurídico. Ingressou na magistratura em 1970. Em 1989, foi promovido ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Aposentou-se três anos depois, em 1992. O chamado das Letras foi mais forte e seu lado de intelectual e escritor venceu o de magistrado.Seu primeiro livro, Serra Nova, de contos e crônicas, foi editado em 1964. Seguiram-se quase vinte livros, alguns de fundamental importância para a História da Literatura do estado: Chão dos Simples, Ficcionistas do Rio Grande do Norte, Guia da Cidade do Natal, O Chamado das Letras, A Palavra e o Tempo, MPB Principalmente e Espírito de Clã.Ex-juiz de Direito, aposentado como desembargador, Manoel Onofre Jr. dedica quase todo o seu tempo para a literatura. São 23 livros escritos, entre ficção e pesquisa. Alguns o escritor não mais escreveria, outros são motivos de orgulho, como Chão dos simples, composto por mini-contos nos quais \"o real e o imaginário se harmonizam de maneira perfeita\", como bem disse Veríssimo de Melo, na apresentação do livro. \"Embora eu me considere um ficcionista frustrado, eu acredito ter colocado o melhor de mim mesmo em Chão dos simples, é um livro que recupera a minha vivência de menino no sertão”, disse Manoel Onofre numa entrevista à jornalista e escritora Marise de Castro.Atualmente, Manoel Onofre Jr. é membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, ocupando a cadeira nº 05, cujo patrono foi Moreira Brandão e tendo seu 1º ocupante Edgar Barbosa. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e sócio correspondente da Academia Mossoroense de Letras.Com o livro Estudos Norte-rio-grandenses recebeu o prêmio Câmara Cascudo, em 1975. Escolhido o Intelectual do ano, em 1975, por uma comissão designada pelo jornalista Roberto Guedes, do Diário de Natal, dentro da promoção Homem do Ano. Recebeu o Diploma de Personalidade Cultural da União Brasileira de Escritores, entregue em solenidade realizada em maio de 1997, no auditório do Centro Cultural da Academia Brasileira de Letras. É Cidadão Honorário das cidades de Natal, Martins e Umarizal.Alex - O senhor é natural de Santana do Matos, mas a cidade de Martins parece ser sua Pasárgada, inclusive o senhor escreveu o livro Martins – A Cidade e a Serra. Como foi a vida em Martins? E até que ponto a cidade serrana é importante para o senhor?Onofre – Na verdade eu nasci em Santana, mas com um ano e alguns meses eu fui para Martins. Toda a minha família é de Martins. Os ascendentes dos meus pais, são martinenses, meus irmãos também, mas como meu pai era promotor de justiça em Santana do Matos, em julho de 1943 eu vim ao mundo naquela cidade e só voltei lá depois de adulto. De maneira que a minha ligação sentimental é muito maior com Martins, porque foi em Martins que eu me criei e lá eu aprendi a gostar dos livros. Em suma, toda aquela magia e encantamento da infância e da adolescência, tudo isso eu devo a Martins, que é uma cidade privilegiada pelos encantos naturais, etc. Na época da minha infância, ela tinha características muito especiais, porque era uma cidade em decadência. Naquela época, podia se considerar como sendo uma daquelas cidades mortas a que se refere Monteiro Lobato no livro com esse mesmo titulo. Por ela estar isolada no alto da serra as estradas eram muito precárias. No inverno com lamaçais, o transito interrompia-se totalmente, só subia-se e descia-se ou a cavalo e a pé e às vezes nem a cavalo. Então era uma cidade muito isolada. E por conta desse isolamento ela conservava muito de toda aquela riqueza que vinha dos portugueses, da cultura ibérica. Aquele sertão bem característico, com a coisa ainda da idade média. É uma cidade muito especial. Eu tive esse privilégio. Eu até me lembro que Gilberto Amado, nas suas memórias, disse que tinha pena de quem não tinha nascido num engenho de açúcar. Ele achava que um menino num engenho de açúcar era um paraíso, mas eu digo que não troco engenho nenhum pela minha serra de infância. Essa é que é a minha espécie de Pasárgada que ficou e que me acompanha e pra onde eu vou, eu levo Martins comigo.Alex – Inclusive, teve uma passagem de Mário de Andrade por Martins com Cascudo, que ele exclamou que Martins parecia com Teresópolis e Cascudo o advertiu: Não, é Teresópolis que parece com Martins.Onofre – Isso me foi dito por Cascudo numa entrevista que eu fiz com ele pra Tribuna do Norte. Em 1967, eu era repórter da Tribuna e fiz uma entrevista, bem longa, com o mestre Cascudo. E ele me falou esse episódio de Martins. Ele disse que Mário de Andrade extasiou-se com a beleza do panorama, com o clima, com as frutas e disse: Mas oh! Isso daqui é Teresópolis. E Cascudo rebateu em cima da bucha: Não! Teresópolis é que é Martins.Alex – Na sua opinião, qual a importância de Cascudo para as Letras Potiguares?Onofre – Importância muito grande. Que pode ser avaliada sob diversos aspectos. Na história do Rio Grande do Norte ninguém fez tanto quanto ele, até porque ele não foi apenas um historiador, pesquisador, mas ele viajou por muito tempo, ele foi uma testemunha da história. O pai dele, muito influente, como personagem também da história e conversava com ele, passava muitas informações, os outros parentes dele, o professor Panqueca, uma grande fonte de informação do Natal antigo. Então Cascudo não só presenciou, mas conviveu com essas pessoas que presenciaram o desenrolar de boa parte da história do Rio Grande do Norte. Ele tem uma obra insuperável, podemos dizer que do ponto de vista do folclore a sua contribuição parece que está sendo mensurada em termos nacionais, de uma maneira que podemos até dizer, sendo uma descoberta. Ultimamente, saiu o Dicionário Critico de Câmara Cascudo, organizado por Marcos Silva e o próprio Marcos vai promover um seminário sobre Cascudo, agora em 2005. Os grandes jornais e uma boa editora de porte nacional, estão dando uma divulgação cada vez maior a Cascudo, de maneira que a importância que ele tem e que eu acho, sob vários aspectos, tem a importância tão grande quanto a de Gilberto Freyre, como um explicador do Brasil, um interprete de tudo que nós somos e está numa fase de desenvolvimento. Eu acho que Cascudo vai se tornar um nome de muito maior projeção no futuro, em termos nacionais.Alex – O senhor morou em Mossoró ainda adolescente. Como foi essa época? Quais as memórias mossoroenses que o senhor guarda?Onofre – Foi um período importante na minha vida porque foi na adolescência. Minha adolescência foi a fase das perplexidades diante de um mundo que ia sendo descoberto, dos conflitos decorrentes disso mesmo. Eu que até então tinha vivido junto aos pais, em Martins, fui jogado no Colégio Santa Luzia, sozinho. Então, me senti como se tivesse cortado o cordão umbilical. Foi de certa maneira um trauma. Junta-se a isso, que o colégio interno, foi inicialmente a minha experiência lá, o colégio interno é uma espécie de prisão. Então você, adolescente, distante de seu mundo, dos pais, dos amigos, de todo seu mundo sentimental e sozinho, naquele ambiente recluso. De maneira que foi uma fase de muita solidão, isso no começo. Mas quando meus pais vieram morar em Mossoró eu passei a estudar externo e comecei a me entrosar na vida mossoroense. Posso dizer que somente quando eu deixei o internato é que eu vim a me tornar um mossoroense adotivo, participando ativamente da vida da cidade, admirando os seus jornalistas, freqüentando a Biblioteca Municipal e eu até posso lhe dizer que os primeiros livros que eu li de ficção séria, não aquela ficção infanto-juvenil, que eu conhecia de Martins, esses livros mais sérios, eu comecei a ler em Mossoró, freqüentando a Biblioteca Municipal. Cinema, Martins não tinha cinema e eu quase não perdia uma sessão no Pax ou no Caiçara de Mossoró.Alex - O senhor chegou a escrever algum livro, nesse seu tempo em Mossoró?Onofre – Não! A primeira crônica que eu escrevi, meu primeiro texto, foi num jornalzinho que eu fundei no Colégio Diocesano Santa Luzia e o jornal se auto intitulava o “Órgão da Quarta Série Ginasial do Colégio Diocesano Santa Luzia”. Foi a primeira experiência. Esse jornalzinho, que eu ainda tenho uns exemplares, que eu guardo, circulou vários números e inclusive quando eu deixei Mossoró porque eu vim para Natal, ele continuou circulando, sob a direção de um colega, Ítalo Maciel e outros colegas como João Leôncio. Esse jornal me deu muita alegria porque me iniciou nas letras, me fez ver que havia outras pessoas do meu convívio que também eram entusiastas da literatura. Foi um estímulo muito forte, porque em Martins até então eu era, em termos de literatura, era sozinho. Menino lá em Martins, não sabia o que era isso, sabia o que era jogar bola e aquelas brincadeiras de rua, aquelas coisas folclóricas que sobreviviam na Martins da minha infância, mas em matéria de literatura só havia os livros do meu pai, na maior parte livros jurídicos, inclusive um livro de medicina legal que eu lia incessantemente e ficava curioso vendo as fotos.Alex – E desse tempo de Mossoró, você fez amizade? Guarda alguma amizade até hoje? Como é seu contato com Mossoró hoje?Onofre – No meu tempo de estudante tive grandes colegas. Me lembro aqui dos que eu já nomeie, Ítalo Maciel, tinha Francisco Dantas Pinto que é juiz de direito aposentado. Tinha o Carlos Fonseca, hoje é médico, em Natal. Tinha o João Leôncio Maia Pinto que também mora em Natal, escritor. Tinha o Dídimo Borges que era um intelectual também. Uma figura emblemática que era o Padre Sátiro Dantas que, se não me engano, era o vice-diretor, era o responsável pela disciplina no Colégio e eu, naquela época, olhava-o com uma certa distância, ele era muito enérgico, mas uma grande figura. Ele zelava pela qualidade do ensino, de forma que foi uma figura que me marcou. Ainda hoje é o diretor do Colégio Diocesano Santa Luzia. Outra figura, também dessa época, era o Cônego Sales, o seu perfil é diferente do Padre Sátiro. Ele era um bonachão, gostava de dizer piadas aos alunos com muito bom humor, era o professor de francês. Foi na verdade, a mola mestra da construção do novo colégio, inclusive quando eu cheguei em Mossoró, eu fiquei ainda no colégio velho, que ficava na Praça Antonio Joaquim, era um prédio bonito que foi criminosamente destruído e no meio do ano, se não me engano, foi em 1956, houve a mudança para o colégio novo, prédio novo que existe ainda hoje. O diretor do colégio nessa época era o Cônego Sales, uma figura humana, fazia sonetos, inclusive chegou a colaborar com o jornalzinho da quarta série e escreveu um livro sobre a história do Colégio Diocesano Santa Luzia.Alex – Nessa época de Mossoró, teve algum contato com o Dr. Vingt-Un ou outro intelectual daquele tempo?Onofre - Não! Eu era um simples estudante. Havia uma distância muito grande para Vingt-Un, que eu sabia que era um dos intelectuais de proa, mas, enquanto estudante, em Mossoró, não tive nenhuma ligação, a não ser através de leituras de jornais.Alex - Quando o Sr. Chegou a Natal, por volta de 1959, trabalhou como repórter e militava no movimento estudantil. Como foi essa turbulência jovial, em Natal?Onofre – Era um movimento muito tenso, porque havia uma efervescência, uma política especial, que era aquela política estudantil. Essa política é semelhante, em ponto menor, a política partidária mesmo. Os órgãos principais eram a Associação Potiguar de Estudantes – APE -, que hoje, se não me engano é APES e o Centro Estudantil Potiguar. Como havia eleição para essas duas entidades, eram campanhas memoráveis. Havia também eleições para o Grêmio Estudantil do Atheneu. Além dessa atividade toda, sempre havia aquele movimento de estudantes para, por exemplo, obter redução no preço de passagem dos ônibus, redução no preço dos ingressos dos cinemas. Quando isso era negado, havia uma reação muito grande, passeatas. Tinha estudantes, embora não tendo uma liderança muito grande, do ponto de vista intelectual, mas eles tinham muito prestígio junto aos colegas. Era o caso, por exemplo de Manuel Filgueira Filho, Pecado, uma legenda entre os estudantes. Era uma pessoa muito simples, sem nenhuma instrução, mas um agitador nato. Não tinha nenhuma ideologia, mas fazia um movimento dentro da classe estudantil. Além dele havia outras grandes figuras, o Edmilson Felipe, como presidente da APE, hoje reside em Belo Horizonte. A gente participava de congressos da UBES e eu mesmo cheguei a participar de dois, um em Pelotas, outro em Goiânia. Estivemos na UBES para tratar de outros assuntos. A UBES que funcionava na sede da UNE, que depois a ditadura militar destruiu.Alex - Quais as suas lembranças da vida intelectual natalense do tempo das Cocadas, no Grande Ponto natalense?Onofre - As Cocadas, na verdade, foram uma verdadeira universidade, aqui vale dizer o clichê. Foi uma universidade realmente. Conheci grandes figuras, intelectuais nas Cocadas e ainda hoje são amigos meus e são nomes que se projetaram na vida intelectual do Rio Grande do Norte e tantos que não dá para mencionar. As Cocadas tIveram uma importância muito grande na minha formação.Alex – O senhor formou-se em direito e enveredou pela carreira jurídica. Quando foi que escutou o chamado das letras? Inclusive é título de um livro seu. Como surgiu o interesse pela literatura potiguar? E quando começou a pesquisar?Onofre – O chamado para literatura em geral foi na adolescência, mas especificamente, a literatura potiguar isso me preocupou desde os primeiros momentos, aqui em Natal. Eu fui como que apresentado à literatura norte-riograndense quando vim para Natal, que daqui eu podia ter uma visão mais geral. Eu sempre tive um senso de justiça apurado, talvez isso me tenha levado para a carreira jurídica, e esse senso de justiça me fez ver uma coisa gritante: o fato que nós tínhamos valores, grandes valores aqui no Estado, mas que a literatura nacional desconhecia inteiramente. Naquela época, os grandes nomes eram Zila Mamede e todos aqueles do começo dos anos sessenta, Sanderson Negreiros, Augusto Severo Neto, Luis Carlos Guimarães, Deífilo Gurgel, Dorian Gray, todos eles. E eu vi todos esses nomes aqui, da maior importância, como que soterrados na província. Aquilo talvez tenha sido a semente que fez com que eu passasse a me identificar, a divulgar a literatura do Estado. Através de levantamentos e de estudos, que não sendo propriamente estudos críticos na acepção mais rigorosa que se possa ter da crítica literária, mas que são estudos que ao meu ver podem ter contribuído para divulgar nossa literatura, não só aqui dentro, mas além fronteiras. Foi nessa época que surgiu o pesquisador. O primeiro livro é o resultado desse interesse. Por esses temas surgiu o livro Estudos Norte-riograndenses, que ganhou o premio Câmara Cascudo em 1975. Alex - O senhor entrou na literatura escrevendo um livro de ficção, mas faz tempo que o senhor não publica uma obra ficcionista. O senhor parou de escrever ficção?Onofre - Na verdade, o que eu mais gosto é da ficção, inclusive eu acho que setenta por cento dos livros que eu leio, são livros de ficção, romances, contos, novelas. A produção ficcional escolhida, depois foi reunida no livro Chão dos Simples. Eu confesso que passei a ter um interesse maior pela pesquisa, talvez motivado, até mesmo pelas funções que eu exercia, como juiz, que me levavam à pesquisa, pesquisa de jurisprudência, de doutrina para as sentenças e que terminaram me desviando também para a pesquisa literária. E é fato que eu acho que entrei por esse caminho, onde perdi o caminho da ficção e talvez pra mim fosse o mais importante. Essa é a explicação que eu me dou, mas não sei se realmente é a verdadeira, são coisas imponderáveis que a gente não pesca. Pode ser até também, essa coisa de deixar a ficção, tenha sido um bloqueio, uma espécie de inibição por achar que a ficção é uma coisa muito séria. A ficção e a poesia em literatura só se deve publicar se a coisa estiver realmente madura, for impossível deixar de publicar, porque uma pesquisa, do ponto de vista literário não tendo muita importância, ela sempre vai seu útil, ela trás uma grande soma de informações, dados, que alguém pode aproveitar, independentemente da qualidade literária. A poesia e a ficção têm que ser de primeira, têm que ser arte. É a pura arte. Tem que ser boa. Nada mais lastimável que sub-literatura. Isso me criou uma inibição, um certo receio, mas eu espero, anseio voltar à ficção.Alex – Natal sempre teve muitos poetas, inclusive há um clichê que diz: “Em cada esquina um jornal, em cada rua um poeta”. E os nossos ficcionistas? Parece que a literatura do Rio Grande do Norte, de uma maneira geral, carece de ficcionistas. Até que ponto isso é verdade?Onofre – Isso foi um fenômeno que aconteceu até meados do século passado, porque depois da publicação da Antologia de Contistas Norte-riograndenses de Nei Leandro de Castro, 1966, foi que a ficção começou a engatinhar aqui no Estado. Antes havia escritores produzindo isoladamente, como um Policarpo Feitosa, que tem uma grande obra como romancista. José Bezerra Gomes também tentou realizar um ciclo do algodão à maneira de José Lins do Rego, embora ele não tenha conseguido um resultado melhor devido, talvez, a própria doença. O que é fato é que a partir da segunda metade do século XX é que começaram a surgir contistas e até mesmo romancistas como, por exemplo, Eulício Farias Lacerda e depois o Nei Leandro de Castro. Eu acho que hoje já não é valida essa afirmação de que o Rio Grande do Norte e, especificamente Natal, é uma terra de poetas. Eu acho que não, aqui nós temos bons ficcionistas. Eu até tentei provar isso com duas antologias de contos que organizei: Os Potiguares, 1984 e agora, recentemente, pelo Sebo Vermelho, Contistas Potiguares.Alex – No seu livro Literatura e Província o senhor afirma que seria temerário falar sobre a existência de uma literatura do Rio Grande do Norte, mas assim, uma literatura no Estado do Rio Grande do Norte, notadamente nas cidades de Natal e Mossoró. Afinal até que ponto se estende a literatura potiguar?Onofre - Essa foi uma afirmação polêmica que até na reedição desse texto, aproveitado em Salvados, na segunda edição, eu suprimi esse enfoque. Eu achava que isso se prestava a muita polêmica e interpretações que não coincidiam com o que realmente eu queria dizer. O que eu quis dizer é que a literatura, toda e qualquer literatura, é um fenômeno nacional e só uma nação, um povo consegue ter sua própria literatura. Portanto, eu acho que a simples divisão administrativa federativa, de cada Estado, não dá todas aquelas características que pudessem refletir numa literatura, porque em essência, lato sensu, a literatura do Rio Grande do Norte é a mesma da Paraíba, do Ceará. Eu até admitiria se falássemos de uma literatura do Nordeste, porque já há uma diferenciação do restante do país. Agora, na verdade, há uma literatura no Estado, ela não é do Rio Grande do Norte porque o Rio Grande do Norte não é uma nação, nem tem aspirações de ser uma nação, como por exemplo, a Catalunha, os Bascos, que se orgulham de ter uma literatura própria, porque culturalmente aquele conjunto de características se reflete na literatura. Eu acho que no Rio Grande do Norte, não. Em essência o norte-riograndense é o paraibano, é o cearense, o pernambucano, a diferença é muito pequena. Aqui, nós temos, sob vários aspectos, uma literatura feita com valores daqui e que deve ser prestigiada, porque o eixo cultural Rio-São Paulo nos ignora, eles sempre adotaram essa posição de olimpicamente ignorar o que se faz no Nordeste, especialmente. Alex – Na sua opinião quais são as obras literárias mais importantes da nossa literatura?Onofre - É muito difícil responder, porque a memória sempre falha e quem não for mencionado vai se sentir vítima de uma injustiça. Mas eu poderia dizer, mesmo me arriscando, sem querer deixar de responder sua pergunta. Eu poderia, por exemplo, dos romances, não dizer o melhor, mas os que mais me agradam como um simples leitor. Citaria quatro romances: As Pelejas de Ojuara, de Nei Leandro de Castro; O Rio da Noite Verde, de Eulício Farias de Lacerda; A Pátria não é Ninguém, de François Silvestre; e Um Gosto Amargo de Fim, de Nilson Patriota. Isso dos contemporâneos. Dos antigos, eu citaria Gizinha e Os Moluscos de Policarpo Feitosa; e Macau, de Aurélio Pinheiro, na ficção, especificamente do romance. Do conto, todos aqueles contistas que estão no meu livro Contistas Potiguares, aquela antologia, e dois estreantes: Carlos Lins Onofre e Clauder Arcanjo. Dos poetas a safra é grande. Se é pra dizer os que me agradam pessoalmente a resposta fica mais fácil. Eu gosto de Zila Mamede, de Jorge Fernandes, de Luis Carlos Guimarães, Paulo de Tarso Correia de Melo e Jarbas Martins. Alex – Ao longo do tempo a literatura potiguar, com seus escritores e poetas conseguiram manter as características das escolas literárias vigentes nessa época, conseguiram acompanhar, por exemplo, o modernismo, o parnasianismo, o realismo, o simbolismo? Houve essa “antenação” com a literatura nacional?Onofre - Eles quase sempre foram retardatários. Um exemplo de escritor que acompanhou o movimento modernista deflagrado no eixo Rio-São Paulo foi o Jorge Fernandes, inclusive Jorge Fernandes, chegou a colaborar naquelas revistas, Antropofagia, Terra Roxa, graças a Cascudo. Cascudo também foi um modernista aqui no Rio Grande do Norte. Com referencia a outros movimentos sempre houve um atraso. Nosso primeiro poeta, Lourival Açucena, ainda há resquícios na obra dele do arcadismo, embora ele tenha sido também um tanto romântico. Já os parnasianos ficaram fazendo sonetos até a década de 1930, depois da Semana de Arte Moderna de 1922 e havia parnasianismo a todo vapor e até romantismo no Rio Grande do Norte. Mesmo alguns escritores que tentavam se adaptar às novas correntes, na verdade, em essência, eles ficavam fiéis ao ideário antigo, como é o caso de Otoniel Meneses, de Palmira Wanderley, de Jaime dos G. Wanderley, que todos eles tentaram ser modernistas de alguma maneira, mas em essência permaneceram acadêmicos. Há vários outros nomes nesta mesma situação.Alex – A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialmente no curso de Letras tem a disciplina de Literatura do Rio Grande do Norte, que bravamente o professor Tarcísio Gurgel vem segurando essa batuta. Qual é a importância de se criar a cadeira de Literatura norte-riograndese para concurso público e para vestibular? Existe história e geografia do Rio Grande do Norte, mas não existe Literatura do Rio Grande do Norte. Como é que o senhor vê essa situação?Onofre – Eu vejo com a maior simpatia a criação da cadeira de Literatura Norte-riograndense. Se por acaso houver alguma resistência em relação à literatura especificamente, que eles colocassem a “cultura do Rio Grande do Norte”, envolvendo folclore e outros aspectos. Eu acho que nós devemos valorizar o que é nosso, porque de fora ninguém vai valorizar. Alex – O Crítico literário e poeta Moacy Cirne disse que há somente dois movimentos importantes na literatura potiguar. O primeiro com Jorge Fernandes em 1927 e sua poesia moderna e o outro com o movimento de poema processo em 1967, que foi criado paralelamente com o eixo Rio-São Paulo. Como pesquisador da nossa literatura, o que o senhor acha dessa afirmação?Onofre – Talvez Moacy queira dizer exatamente o que você já apurou. Que foram expressões norte-riograndenses que ficaram em sintonia imediata com o que era feito no Olímpo, no eixo Rio-São Paulo. Alex – E como o senhor analisa essa nova forma de fazer literatura, como é o caso do poema processo, a poesia visual, o poema concreto?Onofre – Dentro de uma relatividade. O visual não vem a sepultar a literatura, como na verdade a história já provou isso. O movimento que o concretismo e o poema processo fizeram foi de grande importância. Trouxe algo de novo, positivo, embora quando surgiu me dava a impressão de que veio para substituir tudo. Por isso, à primeira vista encarei com muita reserva, aquela vanguarda, mas depois que eu vi que eles próprios, na maioria, voltaram ao discurso poético, voltaram a valorizar a palavra escrita e não só o visual, então eu fiquei encarando tudo com mais simpatia. Moacy Cirne e Dailor Varela retornaram à poesia, ao discurso poético. Nei Leandro de Castro foi um dos primeiros a retornar e vários outros.Alex – Recentemente, a Associação dos Magistrados criou o prêmio de prosa Desembargador Manuel Onofre Júnior para incentivar a produção literária dentro do judiciário. Como o senhor recebeu essa homenagem?Onofre – Um prêmio literário é muito válido, principalmente aqui na província. É uma grande oportunidade para a revelação de novos valores. Fiquei muito honrado. Eu apenas lamento que no ano de 2004 me parece que o concurso não foi realizado.Alex - De acordo com o professor e escrito Tarcísio Gurgel, o livro Chão dos Simples conta causos de sertanejos onde ressalta a esperteza do matuto e um certo encantamento propiciado pela natureza. Até que ponto esse encantamento acontece no livro?Onofre – Chão dos Simples é o livro de que eu mais gosto e ali está o meu sertão, através do meu sertão a minha visão do mundo que passa do regional para o universal. Eu só discordo de Tarcísio quanto à designação de causos. Aparentemente, são causos, eu sempre gostei muito de histórias ou como dizia Cascudo estórias com “e”. Mas os meus contos sempre vão além do causo. Tem algum sentido ali, uma outra leitura, uma leitura subjacente. Alex – Numa entrevista à Tribuna do Norte, o senhor disse que mostrou um poema de sua autoria à Zila Mamede e ela não deu muita importância àquela poesia. Será que ela o desencorajou?Onofre – É verdade. Zila me fez um grande favor. Na verdade, eu não tenho o dom da poesia. Tentei de uma maneira muito canhestra fazer um poema, em que usava, inclusive, o termo “embalsamado”. Quando Zila viu esta palavra, ela se horrorizou (eu deduzi pela expressão fisionômica dela), e me entregou o papel com o poema de volta e não disse mais nada. A partir daí, nunca mais poesia. Mas sempre tem um porém. Certo dia, escrevi uma coisa sobre Recife e mostrei a Jarbas Martins, meu ex-colega de faculdade, excelente pessoa e Jarbas disse: “Olha, isso aqui você poderia colocar em forma de poema”. E então graças a Jarbas, eu cometi um poema que foi publicado, num jornal de Recife, e me parece também que no jornal A República, de Natal. Além desse poema, eu ainda fiz outro, ainda me aventurei a isso, mas felizmente parei; desde então, mais nada.
Entrevistando a Literatura Potiguar, A série ENTREVISTANDO A LITERATURA POTIGUAR será feita pelo jornalista Alexandro Gurgel, colunista do natalpress.

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